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Resenha: Memorial de Aires

Um resumo/resenha bem humorado do livro Memorial de Aires, do Machado de Assis, tanto para você que vai fazer a prova da Tia Vera Lúcia quanto para quem só lê por ler.

Se você só está procurando um resumo do Memorial de Aires, do Machado de Assis, para fazer a prova do colégio:

  1. A Tia Vera Lúcia, sua professora de Literatura, escolheu muito mal o livro que vocês tinham que ler;
  2. Você é bem PREGUIÇOSO, porque o livro é pequeno, mas
  3. Eu também acho uma sacanagem colocar pessoas jovens demais para lerem livros assim, mas você não conheceria meia dúzia de palavras “novas” só conversando com o seu colega de sala.

Se você não está aqui buscando um resumo do livro, mas uma opinião sincera, fique a vontade. Pode até pular para a parte dos costumes.

O resumo é o seguinte: o Memorial de Aires era para ser um diário de um diplomata aposentado, mas na verdade é só uma reunião de fofocas da vida dos outros. Na vida dele não acontece mais nada de muito interessante, então tudo (ou quase tudo) o que ele anota é sobre os outros personagens. Isso não é ruim, mas é a verdade.

O livro foi escrito em 1908, mesmo ano da morte de Machado de Assis, mas se passa em 1888 e 1889. Se você não é bom nem em Literatura nem em História, em 1888 a escravidão finalmente acabou no Brasil e em 1889 aconteceu a Proclamação da República, mas o livro não chega até lá.

Os personagens

Aires: o locutor

Anota aí porque esse era o tipo de pergunta que a Vera Lúcia fazia no meu tempo. É o mesmo personagem do Esaú e Jacó, mas não faz a menor diferença ter lido este outro livro. Diplomata que vivia na Europa, volta a viver no Brasil e, como não tinha TV na época, se concentra em acompanhar a vida dos outros.

Mora no Catete (não sei se isso vai fazer diferença na prova, mas fica aqui) e tem, se não me engano, uns 63 anos. Gente boa (sério).

Segue o mesmo estilo de escrita de Brás Cubas, que eu já comentei por aqui. Vai escrevendo como se estivesse conversando. O problema é que ele está conversando em 1908 (ou 1888 no livro), então não tem “mané”, “mina” e “mano”, mas “alhures” e “algures”.

A chave é não ler como se você estivesse conversando com o seu avô que você acha um saco, mas ler como se estivesse conversando com alguém que fala outro idioma. Um Português diferente do seu, mas com os mesmos dramas, mesmas linhas de raciocínio e mesmas impressões e reflexos.

Rita: a irmã de Aires

É engraçado, porque ele ama a irmã, parece ser um dos poucos contatos que ainda tem no Brasil, mas passa mais tempo com os outros do que com ela. É Rita que apresenta Aires para o casal Aguiar e para Fidélia.

Se os lugares onde moram são importantes para você, vai gostar de saber que mana Rita morava no Andaraí.

O casal Aguiar e D. Carmo

Esse casal é quase um personagem só, mas não como aqueles perfis de casais no Facebook. São mais como aqueles seus avós que parecem não brigar nunca.

Não tiveram filhos mas queriam ter e, por isso, acabaram amando os filhos dos outros, que no caso são Fidélia e Tristão. O drama do livro não é o casal Fidélia e Tristão, mas o amor dos pais postiços por eles.

E você acha que fazer festinha de aniversário para cachorro é coisa de hoje em dia né? Errado. Lá pelas tantas, alguém comenta que eles tiveram um cachorro que amaram demais, faziam roupinha e por aí vai. Tudo bem, não teve festinha, mas se a D. Carmo tivesse pensado nisso, era capaz de rolar um AUniversário. Em 1888, seria uma coisa bem pra frentex.

O fim do livro é triste pros dois: Fidélia e Tristão se casam, mas vão embora pra Europa, deixando os dois pra trás 🙁

Ah, moravam no Flamengo.

Fidélia

Viúva jovem que é um dos centros da história. Seu primeiro casamento, com um tal de Noronha, foi feito contra a vontade das duas famílias, então ela acabou brigada com todo mundo. Logo depois o marido morreu, mas o pai dela não perdoou. Passa o tempo e, quando o velho ensaia perdoar, morre o velho. Paciência.

Fica de luto o livro inteiro, mas no final acaba se apaixonando por Tristão. Com todo o respeito aos mortos, com os olhos de hoje em dia o luto dela é até meio chato, mas quem sou eu pra julgar. Com a morte do pai, vira dona de uma fazenda chamada Santa-Pia, que no fim das contas, ao invés de vender, entrega para os ex-escravos (é, é isso aí mesmo).

Fato interessante é que Aires cogita até casar com ela no começo do livro (namoro de criança: ele quer, ela nem imagina). Aposta com a Rita de que ela um dia sai do luto e acaba ganhando.

Antes que você me pergunte: morava em Botafogo com um tio.

Tristão

Afilhado dos Aguiar, tinha ido para a Europa e D. Carmo achava que ele tinha esquecido dos padrinhos. Volta para passar um tempo, vai ficando, se apaixona por Fidélia, casa e no fim volta pra Europa para virar deputado.

Ele é apresentado no segundo terço do livro, fica amigo de Aires e no fim convida até para que ele seja padrinho do casamento.

O pai era comerciante, ele queria virar advogado, acabou virando médico e na Europa entrou pra política. Uma montanha-russa a vida profissional desse menino. Fora isso é um cara do bem.

Morava na Europa, veio pra ficar na casa dos Aguiar, quando casou foi pra Petrópolis e depois voltou pra Europa.

O resto

Tem mais personagens, mas nenhum que seja digno de encher a sua cabeça antes da prova. Destaque meu aqui para D. Cesária, que faz só umas pontas no livro, mas tem uma das personalidades mais verossímeis do livro: é aquela que fala mal de todo mundo, mas é superdivertida.

Enquanto Aires é pudico, quando fala mal de alguém pede desculpas e etc., D. Cesária mete o pau mesmo, até em quem não devia, mas a gente sabe que tem muita gente assim por aí. Só enquanto escrevo este parágrafo me lembrei de umas 3 ou 4 D. Cesárias, entre meninos e meninas.

Dos costumes

Messenger, Whatsapp, E-mail, SMS, Telefone. NADA disso existia em 1888, então TUDO era na base da carta, telegrama e bilhete. Além das coisas óbvias, uma vida assim trazia menos expectativa: não dava pra fazer as coisas de uma hora para outra, então o ritmo geral era mais lento. Dá pra pensar um ou dois minutos sobre essa relação praticidade x cobrança.

Ainda no assunto correspondências, sempre que eu vejo na TV que acharam as cartas de A para B, fico meio espantado de como essa gente consegue ir se metendo na correspondência dos outros assim. No livro a gente vê que algumas cartas não eram tão pessoais assim mesmo: Fulano escrevia para Beltrano e Beltrano fazia a carta passar na mão de todo mundo. Aires até comenta do estilo de escrita do pessoal. Interessante.

Passeios a pé e de bonde. Não tinha TV, então ficar em casa devia ser um pouco chato. Então a galera matava tempo andando na rua, aproveitando a falta de violência da época, provavelmente.

Visitar a casa dos outros. Não é costume da minha família ir demais na casa dos outros, mas no livro isso acontece direto. Vira e mexe está alguém enfurnado na casa dos Aguiar, às vezes sem avisar nem nada. Parece que grana não era muito um problema, mas mesmo assim.

Escravidão. O livro fala sobre o fim da escravidão, em partes até bem legais, lembrando que o próprio Machado de Assis era negro. A parte que talvez você não saiba: a gente aprende que a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, mas o que ninguém conta é que essa lei tinha passado pela Câmara antes, ela só assinou como o presidente faz hoje em dia. E sim, no Brasil Império tinha Câmara.

Do que não muda. A vida mudou um pouco de 1888 pra cá, mas o Machadão tem o poder de ser atemporal. Vira e mexe você encontra no livro um comentário ou uma crítica que serve exatamente para os dias de hoje. Tem também as mudanças que começaram lá e continuaram cá. Lá pelas tantas ele comenta sobre o nome de Fidélia:

Parece que já não queremos Anas nem Marias, Catarinas nem Joanas, e vamos entrando em outra onomástica, para variar o aspecto às pessoas. Tudo serão modas neste mundo, exceto as estrelas e eu, que sou o mesmo antigo sujeito, salvo o trabalho das notas diplomáticas, agora nenhum.

Se ele soubesse que Anas e Marias virariam Fidélias para depois virarem Uóshingtons, Odivãns e Madeinusas

Machado, Aires e Aguiar

Este é o último livro de Machado de Assis e tem um pouco de autobiografia, tanto em Aires quanto no Aguiar. Ele também não teve filhos e essa alegria fez falta para ele e sua esposa. Fica esse parágrafo aqui só para você lembrar disso na prova.

Nota

O livro é excelente, do começo ao fim. Falta talvez um pouco de conflito, mas também isso é uma coisa boa. Nem sempre você precisa ficar sentado na beira da cadeira esperando o próximo movimento pra obra ser boa.

Minha nota é 10 Machadinhos / 10 Fidélias.