A obra final de Clarice Lispector traz a história de uma moça quase invisível diante do mundo, narrada por um escritor fictício que parece sofrer tanto quanto (ou mais que) sua protagonista. Mas o grande trunfo deste livro é que ele consegue fazer isso tudo em apenas 88 páginas (contando o posfácio da edição da Rocco), o que o torna um daqueles presentes perfeitos para leitores iniciantes, ou para quem quer dar um toque de profundidade sem pesar demais na bagagem.

Apesar de breve, o livro não é superficial. Clarice dosa densidade e simplicidade de forma única – o texto é direto, mas recheado de simbolismo, poesia e reflexões existenciais que ficam ecoando na mente mesmo após o fim.
Há os que têm. E há os que não têm. É muito simples: a moça não tinha. Não tinha o quê? É apenas isso mesmo: não tinha. Se der para me entenderem, está bem. Se não, também está bem.
Metalinguagem em destaque
Um dos recursos mais marcantes é o uso da metalinguagem: o narrador Rodrigo S. M. não apenas conta a história de Macabéa, como também reflete constantemente sobre o ato de narrar. Isso cria um jogo interessante entre autor, narrador e leitor, quebrando a “quarta parede literária”. Esse aspecto é fascinante, mas confesso que em alguns momentos o texto soa um pouco repetitivo. No fim, quando o narrador reclamava de alguma coisa eu já estava no “vamo lá, amigo, só conta a história…”.
Eu amo obras socialmente engajadas. E o aspecto social desse livro é bem interessante. A invisibilidade social personificada em Macabéa (frase bonita, mas é isso aí mesmo) é triste, mas não fica pesada na leitura. Ao retratar uma mulher pobre, nordestina, alienada e ignorada por todos ao redor, vemos que a própria protagonista não enxerga nada disso. A gente fica entre um “Acorda, mulher!” e um “Cacete, que coitada” o tempo inteiro.
[Macabéa] me incomoda tanto que fiquei oco. Estou oco dessa moça. E ela tanto mais me incomoda quanto menos reclama.

Nota: 8,5 de 10
A Hora da Estrela é uma leitura rápida, intensa e cheia de camadas. Talvez a metalinguagem excessiva tire um pouco do fôlego narrativo em certos trechos, mas o impacto final compensa. Uma ótima porta de entrada para a obra de Clarice Lispector – e, convenhamos, um presente certeiro para aquele amigo ou amiga que você quer impressionar com um livro “curto e profundo”.
Os fatos são sonoros mas entre os fatos há um sussurro. É o sussurro que me impressiona.
Seção com spoilers
A protagonista do livro é Macabéa, uma datilógrafa de origem nordestina que vive no Rio de Janeiro em condições bastante precárias. Ela é descrita como sem grandes atrativos físicos, culturalmente limitada e muito passiva. Sua vida é marcada pela solidão, por uma existência apagada e pela falta de perspectivas.
Macabéa se envolve com Olímpico de Jesus, sujeito ambicioso e pretensioso, que acaba a traindo com sua melhor amiga (difícil chamar de amiga, mas enfim). Mais adiante, ela consulta uma cartomante chamada Madame Carlota, que lhe dá previsões otimistas e promete um futuro glorioso… só para, em seguida, Macabéa ser atropelada e morrer.
— […] Você conhece algum estrangeiro?
Madame Carlota aplicando um golpe na pobre Macabéa.
— Não senhora, disse Macabéa já desanimando.
— Pois vai conhecer. Ele é alourado e tem olhos azuis ou verdes ou castanhos ou pretos […]
Esse final abrupto e trágico é um soco no estômago: justo quando a protagonista começa a imaginar que a vida poderia mudar, ela é interrompida de forma brutal. É como se Clarice gritasse que, para pessoas como Macabéa, o sistema nunca tem finais felizes.