O Cortiço - Aluisio Azevedo - Ed. Lazuli

Resenha: O Cortiço – Aluísio Azevedo

DISCLAIMER: Não sou crítico literário. Tá tudo bem se você achar que eu “li o livro errado” 🙂

Se a Tia Vera Lúcia, sua professora de literatura, te mandou ler esse livro, eu lamento muitíssimo. Só a lingua portuguesa dos anos 1890 já é problema o suficiente, mas na MINHA OPINIÃO essa história com um milhão de personagens e o gênero naturalista não envelheceram tão bem.

A venda, a entrada do cortiço e a casa de Miranda. ACHO que é da adaptação para quadrinhos do Rodrigo Rosa

Começando pelo naturalismo, que acreditava que o comportamento humano é ditado pelo contexto. Isso tem um lado MUITO LEGAL de crítica social, mas (pelo menos em O Cortiço) virou mais preconceito que outra coisa: brasileiros são vadios, mulatas são sensuais, portugueses são mão-de-vaca, italianos são sujos e por aí vai.

O fato de ter um milhão de personagens que, teoricamente, ajudaria a a denunciar as agruras dos pobres, só é usada para mostrar como todo mundo é bem escroto e só pensa no próprio umbigo. É mentira que o mundo é assim? Claro que não. Eu quero um livro onde todo mundo é assim? Também não. Meu problema é que a mudança nos personagens só acontece por conta da troca de contexto ou local.

Ah, e antes que comecem com “o personagem principal é o próprio Cortiço”, já estou avisando que espanto vocês daqui com uma vassoura. Vale também dizer que não é tão ruim quanto Hadji Murad nesse aspecto, até porque aqui seguimos João, Maria e Piedade, ao invés de Vorontsov, Poltoratsky ou Tihonov.

Nota 8/10. O livro não é horrível nem nada, mas esperava MUITO MAIS e, confesso, me decepcionei. Só recomendo para quem AMA literatura brasileira. Se você não é um dos convertidos ainda, comece por Machado de Assis.

Aluísio Azevedo (1857-1913)

Sobre a edição

Se você for ler O Cortiço, você PRECISA prestar atenção em uma coisa: A EDIÇÃO. São vários os termos diferentes que você vai precisar pesquisar e ter os significados à mão ajuda para não cansar a leitura. Além disso, comentários históricos ajudam a entender melhor tanto a crítica que está sendo feita como a reparar em alguns trechos que podem passar batido.

Edição da Lazuli, que eu li no Kindle
Edição da Panda Books, com notas nas margens

Eu li a edição da Editora Lazuli no Kindle e recomendo demais. Enquanto eu escrevo esse post, a edição está custando R$ 7,90 (mais barata que uma Coca-Cola 2L) e vale a pena DEMAIS.

Vi no YouTube um vídeo onde a blogueira recomendava a edição da Panda Books, que tem notas nas laterais do livro, que é SEMPRE o que eu recomendo para livros físicos.

Só NÃO COMPRE uma edição onde as notas estão no fim do livro. Isso é um saco porque você precisa ficar indo e voltando a cada referência (e são muitas), o que te obriga a ter dois marcadores de página. A edição da obliq é assim e é horrível (os caras são péssimos na entrega também, então não recomendo para nada de qualquer jeito.)

Personagens principais e seus arcos

Bom, se a Tia Vera Lúcia mandou você ler e você chegou até aqui, já posso supor que a prova é amanhã, você não leu porra nenhuma e quer um resumo. Segue aí o melhor que você vai conseguir hoje:

João Romão e Bertoleza

João Romão é o dono do cortiço (e da pedreira no fundo do terreno) e o filho da puta master. Começou a “ajudar” Bertoleza, uma escrava que trabalhava na venda do lado da sua, e acabaram morando juntos.

Daí em diante, João Romão tornou-se o caixa, o procurador e o conselheiro da crioula. No fim de pouco tempo era ele quem tomava conta de tudo que ela produzia e era também quem punha e dispunha dos seus pecúlios, e quem se encarregava de remeter ao senhor os vinte mil-réis mensais.

Impossível listar todas as canalhices de João Romão, mas logo no começo ele pega o dinheiro que Bertoleza tinha juntado para comprar sua alforria e finge que resolveu tudo para ela (na verdade o dono tinha morrido e para os herdeiros disseram que ela tinha fugido). Lá no fim do livro, quando ele precisa se livrar dela para casar de verdade com a filha do vizinho, o cara chama o filho do dono que vem junto com a polícia buscar a pobre coitada.

Bertoleza só aparece no livro para trabalhar e para João Romão ver que podia estar pegando coisa melhor. Lá pelos 80% do livro João percebe que ela é um estorvo pros seus planos, tem essa ideia de chamar o atual dono dela e, se vendo acuada, Bertoleza se mata. A ironia? Lá fora vinha chegando o carro da fundação abolicionista para premiar João Romão…

Miranda, D. Estela, Zulmira, Henrique e Botelho

A família de Miranda é vizinha do cortiço. Burgueses, se mudaram para que D. Estela (sua esposa) parasse com os inúmeros chifres que vinha colocando na cabeça de Miranda. Spoiler: não adiantou.

Página da adaptação para quadrinhos do Rodrigo Rosa. Ainda não li, mas curti demais essa arte!

Zulmira é a filha do casal, que começa meio qualquer coisa e depois vira pretendente de João Romão. Henrique, jovem de 15 anos, filho de um amigo, é visita na casa e come D. Estela escondido. Não tão escondido assim, porque o velho Botelho (um cara que também vive encostado lá) fica sabendo, mas guarda segredo.

Esse núcleo não muda tanto. A evolução aqui é a de Miranda virando barão, o que faz um ciúme louco em João Romão, que deixa de ser pão duro para tentar alcançar algum título e D. Estela que vai de piranha mór a velha recalcada.

Jerônimo, Piedade e Rita Baiana

Acho que esse é o núcleo mais interessante do livro todo. Jerônimo e Piedade são um casal de portugueses que se mudam para o cortiço. Ele, trabalhador super-esforçado, se apaixona por Rita Baiana (mulata sensual…) e acaba se “abrasileirando”.

A troca do vinho pela cachaça, do chá pelo café e do violão pelo cavaco são a evolução de Jerônimo, que acaba matando o namorado de Rita e fugindo do cortiço com ela, abandonando Piedade e a filha.

Piedade então se afunda na bebida, não consegue mais se aguentar em pé (que dirá tomar conta da filha) e passa na mão até dos ex-amigos de Jerônimo.

Léonie e Pombinha

Léonie é uma prostituta admiradíssima pelo pessoal do Cortiço. Embora possa parecer estranho, o fato dela ter dinheiro e encher o pessoal de mimos, faz com que todo mundo a admire. É pra ser uma crítica social, mas não sei se funcionou tão bem.

Pombinha é uma jovem que mora no cortiço. Já tem um pretendente rico, mas só pode se casar quando vier sua primeira menstruação, o que só acontece depois que Léonie a seduz. A passagem da sua primeira menstruação, um sonho em uma floresta vermelha, é até bonitinha.

Depois disso ela se casa, vê que o marido é chatão, chuta o balde e vira prostituta também. Assim como Léonie, volta para o cortiço para mimar o povo e ser admirada. Tem lá uma outra menina que já vai se aproximando para que o ciclo comece mais uma vez.

Pombinha é a personagem menos plana de “O cortiço”, em virtude de sua densidade psicológica. Ainda é um tipo submetido às influências do meio, mas, ao contrário dos demais, seu comportamento evolui à medida que ocorrem as suas experiências. Ela se torna capaz de compreender a conjuntura em que se insere, recuperando informações de sua pequena vivência, sobretudo no que diz respeito às relações passionais, cujo princípio lhe foi exposto pela observação dos moradores do cortiço pela redação de suas cartas.

Exemplo de comentário da edição da Lazuli.

Cortiços São Romão e Cabeça-de-Gato

Bom, vão dizer que o cortiço é o personagem principal, então aqui está ele. Começa como uma favelinha, mas depois que João Romão decide ascender socialmente e de um incêndio que destrói o cortiço parcialmente, se transforma em “Avenida São Romão”.

O cortiço Cabeça-de-Gato, rival do “nosso” cortiço, só serve para criar um Fla-Flu com alguns personagens. Depois é para lá que que vão alguns moradores que não conseguiram acompanhar a evolução do São Romão, que encareceu quando se transformou em Avenida. O nome é uma referência ao “Cabeça de Porco”, cortiço que existiu na vida real.

Um cortiço qualquer. Foto de Augusto Malta

Lavadeiras e criados

E aqui estão todos os outros MIL PERSONAGENS do livro. Uma casada vai dar pro Henrique embaixo de uma mangueira e o marido toca ela pra fora de casa, outra fica maluca quando a sua filha fica grávida de um dos funcionários de João Romão, outro maluquinho guarda uma grana em umas garrafas de vidro que João rouba durante um incêndio, outro é gay e é zoado por todo mundo e por aí vai. Essa é a questão que você vai perder na prova, porque mesmo se tivesse lido o livro não lembraria do que aconteceu com a Marciana ou com o Alexandre.