Sim, esse é o livro que inspirou o filme Mickey 17. Não, não tem seis livros antes desse. E sim, é um baita livro bom. Nota 10 de 10 com toda certeza!
Na verdade, Mickey7 é o sexto clone de Mickey Barnes (Robert Pattinson no filme), prescindível da colônia de Niflheim. E é o contrário de imprescindível mesmo: Barnes é jogado fora e recriado o tempo todo.
O problema é quando acham que Mickey7 morreu e criam o Mickey8. Além de uma boca a mais para alimentar, prescindíveis são odiados por uma parte da sociedade e ter vários deles ao mesmo tempo não é uma opção.

O livro, narrado em primeira pessoa por Mickey7, é excelente. Leitura leve e fluida, engraçado na medida certa. Só não digo que foi a melhor ficção do ano para mim porque eu também li Matéria Escura em 2024 e aquele livro mexeu demais comigo.
O filme é dirigido por Bong Joon Ho, o mesmo de Parasita. A adaptação é diferente do livro em muitos pontos e, infelizmente, bem inferior. Mais sobre as diferenças entre o livro e o filme no fim do post.
Spoilers de Mickey7
No contexto geral, a humanidade saiu da Terra há MUITOS anos e está colonizando planetas distantes. Cada colonização é feita por uma nave que pode ter um prescindível: um sujeito clonável e descartável, que é mandado pra morte toda vez que precisarem. Como os dados necessários para a recriação ocupam espaço demais, não é possível ter mais de um prescindível. (Aparentemente, evoluímos esse tanto e continuamos com problemas de armazenamento.)
Drones são sujeitos a serem danificados por partículas de alta energia, assim como você. Na verdade, você ficaria surpreso de saber quanto tempo a mais dura um ser humano em um fluxo de partículas pesadas em relação a um objeto mecânico. […] um drone danificado vai ser muito mais difícil de substituir do que você. Seu cargo oficial é Missão Prescíndível, Mickey.
Começando do começo cronológico, Mickey Barnes, o original, perdeu uma aposta idiota e os agiotas vieram atrás dele. Para fugir, ele se candidata a prescindível da Drakkar, nave em missão para colonizar o distante planeta Niflheim. Obviamente, ele não sabia direito o que era um prescindível.
Tudo começa a dar errado quando Mickey7 é deixado para morrer por seu amigo Berto (Steven Yeun), mas sobrevive. Um espécime diferente de rastejador, bicho esquisito da fauna de Niflheim, salva Mickey7 ao invés de matá-lo, levando-o para perto da base da colônia. Chegando lá, Mickey7 vê que Mickey8 já foi criado.


Niflheim está sob o comando de Marshall (Mark Ruffalo), que segue uma tradição religiosa que abomina um prescindível, que dirá dois. Mickey7 e 8 se combinam então para nunca aparecerem juntos, o que, é claro, não dura muito.

Os rastejadores começam a dar trabalho para a colônia e Mickey é colocado em uma missão para exterminá-los. Nessa equipe está Cat Chen, que faz amizade com Mickey7. Lá pelas tantas, Cat encontra Mickey8, percebe que algo está errado e os denuncia. Isso só acontece depois que Mickey7 e 8 têm uma noite de alegrias com sua namorada Nasha Adjaya (Naomi Ackie). Na sequência os três são presos.
Mickey7 e 8 então recebem uma proposta: podem se arriscar e tentar matar todos os rastejadores plantando bombas de antimatéria em seu ninho ou morrerem pra sempre. Após a escolha óbvia, a missão começa e Mickey8 logo é morto pelos rastejadores.
Mickey7, por outro lado, encontra aquele mesmo rastejador do começo. O leitor fica sabendo que era o bicho que vinha tentando se comunicar com ele através de seu “ocular” ao longo do livro, criando assim uma conexão única entre os rastejadores e 7.
— Não falei que eles o devoraram — pontua Berto. — Falei que o pegaram. Você deduziu a parte do devorar. […] Não dizia coisa com coisa nos últimos dez. Fiquei com a impressão…
— De quê? — indago.
— Tenho quase certeza de que estavam fazendo o que fizemos com aquele rastejador que vocês capturaram — continuou Berto. — Estavam desmontando-o para ver como ele funcionava.
— Pegaram o ocular dele — comento. — Pegaram o meu ocular.
Acontece que os rastejadores não são indivíduos separados, mas manifestações da mesma consciência coletiva. Mickey7 então faz um acordo com eles, mas mente para Marshal dizendo que deu uma das bombas para os rastejadores, se tornando o embaixador dos humanos com os bichinhos de Niflheim e garantindo assim a sua sobrevivência.
No meio disso tudo, o livro conta histórias de outras colônias e como elas deram errado. Uma teve sua população trocada por múltiplos de um bilionário excêntrico, outra deu certo porque acabou com toda a fauna existente no planeta destino e por aí vai. Ótimas (e não muito sutis) analogias para os nossos problemas atuais.
Diferenças entre o livro Mickey7 e o filme Mickey 17
Levar uma história de uma mídia para outra nunca é tarefa fácil. Infelizmente, aqui pegaram um livro excelente e transformaram em um filme que é, no máximo, bonzinho.
Eu AMO Parasita e tinha certeza de que Bong Joon Ho ia conseguir adaptar o livro muito bem. Não conseguiu. Mexeu em tanta coisa no roteiro e quis inserir tanta crítica-social-foda que bagunçou a história e ficou só meia boca.
Para começo de conversa, no livro a viagem que acompanhamos é só mais uma e o lance do dispensável é banal. Não tem toda essa exclusividade do filme. O Marshall do livro é um personagem sério, diferente do personagem interpretado por Mark Ruffallo. A personagem da Toni Collette no filme nem existe no livro.

O lance das drogas também não existe no livro. Berto é bem menos filho da mãe no original, e não teve absolutamente NADA a ver com a história do agiota, que, ao contrário do filme, não infiltra alguém na viagem.
Mickey no livro também não é tão tongo. Aliás, é bem inteligente. É o único na nave que gosta de história e percebe os paralelos entre o que vai acontecendo com Niflheim e outras expedições.
Mas o que mais me irritou foi o que fizeram com os rastejadores. No livro, o lance é que eles não são indivíduos separados, mas manifestações separadas da mesma consciência. A relação deles com Mickey é interessante EXATAMENTE por causa disso: Mickey é uma consciência só em dois corpos ou dois indivíduos diferentes com corpos idênticos?
Realmente uma pena. Não é que o filme é inassistível, não me entenda mal. É que se perdeu muita coisa boa sem necessidade. E também não é que eu odeie todas as adaptações, tá? Curti demais o que fizeram com O Conclave, por exemplo.
Quando escrevi o post original, o filme ainda não havia sido lançado. Atualizei o texto para incluir o que achei do filme e explicar quais são as diferenças entre o livro e o filme.